segunda-feira, 21 de março de 2011

Direitos do Consumidor, Boa-Fé Objetiva, Cartões de Crédito...


Vamos falar sobre Direito do Consumidor sem juridiquês? Vamos falar de Ética sem entrar nos conceitos elementares do tema?

Então, eis o Direito na prática: a nova mania das operadoras de cartões de crédito - pelo menos eu comecei a ver isso há 2 ou 3 meses - é encaminhar a fatura para pagamento do cartão no modelo tradicional E...


E encaminhar anexo, como quem não quer nada, um outro boleto para pagamento PARCELADO.

Isso mesmo, sem você pedir, sem você sugerir, sem você sequer pensar que poderia ou queria parcelar sua fatura de cartão. Assim que você abre o envelope, já estão lá o boleto tradicional e um boletinho lindo e cintilante para o pagamento parcelado. Parcelado com os juros que a entidade financeira bem entender em estipular, obviamente.

É  c-l-a-r-o  que é uma tática "de guerrilha", ou seja, uma técnica nefasta para (1) pegar você desavisadamente (2) seduzir os incautos, os que estão com a corda no pescoço, os que se pegaram pensando por um minuto "- E se eu pagasse a dívida desse mês em 10 vezes?"; (3) impor os juros e demais condições de pagamento que, no fundo, mais interessam a elas, operadoras de cartão. "De Guerrilha" porque, como expressa o termo usado para condições especiais de combate entre exércitos, é uma luta às escondidas, soturna, resolvida no descuido do inimigo, ou no combate na área em que um lutador é completamente desconhecedor do terreno diante do seu combatente.

E é assim que o consumidor - ou seja, aquele que estabelece uma relação de aquisição de produtos e serviços com um fornecedor - se vê diante do sempre espertalhão serviço bancário, de cartão de crédito, financeiro como um todo: um combatente perdido na selva do inimigo - que deveria ser seu parceiro contratual, mas que insiste em lhe seduzir para ganhar uma batalha imaginária (ou bem real, em se tratando do nosso bolso).

A questão é:

i) há tempos as faturas "tradicionais" vem sendo modificadas e, ao invés de serem simplificadas, ganham uma construção mais complicada, onde o valor a pagar e a data de vencimento estão mais escondidas entre informações, quadros e linhas que são feitos (conscientemente!) para confundir - ao passo que o boleto para pagamento em parcelas, é claro, límpido, com poucas informações além da essencial  "- Ei! Você pode pagar esse mês durante outros dez! Aproveite!".  Não bastasse chegar uma folha, agora chegam duas: qual você prefere ler, a mais simples ou a mais complexa?

ii) um vício conduz a outro: como são muitas informações e ambos os documentos tem códigos para pagamento, o erro de se realizar o pagamento do boleto de "parcelados" é iminente.

iii) as entidades financeiras tem se aproveitado cada vez mais do desespero de seus consumidores fiéis/escravos, apelando para o canto da sereia: não bastasse o antigo campo "pagamento mínimo" que sempre veio perto do campo "valor total a pagar" (que já era uma sedução e, não raro, um mecanismo de enganos frequentes), agora as entidades usam um só envelope (que indiretamente é pago por mim!!!) para mandar a cobrança e mais uma enorme propaganda de como as coisas podem ser facilitadas.

Tudo isso é um jogo minuciosamente engendrado (lembra das dezenas de vezes que você já leu sobre como os supermercados dispõem cores, prateleiras e seções ao longo de suas lojas para lhe direcionar a atenção?) e que exige mais, muito mais da sua atenção, bom senso e organização quando você chega cansado do trabalho e vai abrir as correspondências para pagamento no dia seguinte; quando você chega estressado porque o dia não rendeu o dinheiro que você precisava; quando você abre a conta e se lembra que tem mais um material escolar pra pagar, etc etc etc.


Ou seja: aproveitam-se dos detalhes, das fragilidades do "inimigo consumidor" - que deveria ser um parceiro negocial!

E é aí que entra (ou sai...) a BOA FÉ OBJETIVA, uma norma-princípio advinda da leitura ética dos comportamentos comerciais, consumeristas, enfim, de qualquer relação social, e que dentro do atual Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor - sem esquecer das profundíssimas raízes constitucionais, partindo dos Princípios da Solidariedade, da Dignidade da Pessoa Humana, da Atividade Econômica socialmente responsável... - pode ser invocada como verdadeira norma de natureza jurídica (ou seja, com força cogente, com o sustento da coercibilidade estatal):

A exigência de tratar o seu parceiro contratual com esclarecimento, sem se utilizar de subterfúgios para dominá-lo, sendo ostensivo nas informações, empregando mecanismos para conscientizá-lo do que seria uma conduta mais adequada à sua situação econômica, como proceder em determinadas situações... A moderna Boa Fé Objetiva é a ideia de que não basta ao fornecedor  responder corretamente o que foi perguntado, mas lhe cabe ir além, mostrando os prós e os contras de determinadas medidas que podem ser tomadas nas diferentes circunstâncias.

Art.1º [Constituição Federal de 1988]. A República Federativa do Brasil (...) tem como fundamentos:
III- a dignidade da pessoa humana 
Art.3º [CF/88]. Constituem-se objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I- construir uma sociedade livre, justa e solidária. 
Art.5º [CF/88]. omissisXXXII- o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor 
Art.170 [CF/88]. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
V- defesa do consumidor
 Art.113 [Código Civil 2002]. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art.422 [CC/02]. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 
Art.4º [ Código de Defesa do Consumidor]. Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III- harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; 
Art.51 [CDC]. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: 
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
O contrário de tudo aquilo que se tem visto.

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