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Mas ter a coragem e a sensibilidade de começar a consagrar um projeto artístico eminentemente visual pelo nome – e por um neologismo – é tarefa para quem quer se transformar em investigador da alma de um povo; e que sabe reconhecer e utilizar a força construtora e reflexiva da arte, expresse-se ela como puder:
Em "MAGULEJO – Crônicas Ilustradas do Nosso Povo", o artista plástico e designer capixaba Wilson Ferreira, natural da pequena e pródiga em talentos Muqui, começa a cravar suas referências, inspirações, olhares particulares, expressão íntima e ao mesmo tempo coletiva, através da palavra nova que dá nome ao seu projeto. É como convidar o espectador para a bem montada instalação da Sala "Levino Fanzeres", na sede da Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim, e dizer: "-Aceita re-ver-se, a partir desse universo?"
"Magulejo" não está no Aurélio. Nem no Houaiss. Nem no Caldas Aulete. Mas está em mim. E em você. Magulejo é a expressão particular criada pelo próprio artista e que serve de contexto para a busca de um capixaba sem estereótipos; um capixaba transcendente, maior, que está mesmo em processo de busca (porque vive um novo momento e precisa de se com-firmar para além da panela de barro, dos colibris e da Terceira Ponte ao por do sol da capital). A palavra, pura inspiração criativa do artista, remete ao caldo cultural particular no qual o capixaba brotou; e, sonora, tem cores, tem ritmos, tem feições, paladar, tradição.
Partir do verbal abre a estrada para o visual. Por isso a imersão.
E o que o Magulejo capixaba – agora público e, portanto, menos de Wilson e mais nosso – nos revela?
Com a instalação de pinturas sobre madeira, pinturas digitais sobre canvas (corajosamente adaptadas em oratórios negros, que se abrem para saltar as máscaras da Folia de Reis sobre o espectador), serigrafia sobre papel, técnicas mistas com altos relevos feitos em crochês minusiosamente trançados, o criador nos coloca no centro de um baile, de um desfile, nos transformando, ali no centro da exposição, em outras novas interferências a dançar, ou a caminhar pelas ruas; ou a observar escondido as personagens nossas que passam.
Magulejo revira-se em cantigas de roda de tintas coloridas; e também se exalta como povo intimista no bicromatismo do preto e branco; espalhados como em um baile de terreiro a pé descalço, uma procissão mambembe de coloridas máscaras, ou andança à beira-rio vendo o velho mandigueiro e a moça que pesca; a dama do bordel que se exibe em pequenos pedaços - oposta à parede onde o Sagrado se exibe em laranja, azul e amarelo (sem se fazerem todos realmente tão opostos assim).
As tintas vem quase entalhadas, cortes graves com as linhas negras e maleáveis - e não à toa nos remetem à xilogravura (entre nós mais conhecida como a técnica nordestina usada na literatura de cordel). Mas não só aí: na racio e tamanho dos artefatos, na aposição das obras, algo de urbano, grafitagem – arte da rua, e não menos interior-izada.
Talvez apenas a sensação de que a instalação careça de um elemento final, ou central, unificador das muitas vertentes. É possível que eu mesmo não o tenha apreendido por se tratar da noite de lançamento, com dezenas (dezenas mesmo) de pessoas compartilhando a atenção entre obras e artista, aquele burburinho sensível – e vital – para o primeiro momento. Talvez seja o próprio título que faça bem esse papel "multimidia": um começo que leva ao final; um final que retorna ao começo. Também por isso garanto meu retorno para uma tarde mais amena de observações. E pode ser que a impressão passe.
Só espero que o recurso de audio que tocava na abertura não saia de lá – com suaves melodias folclóricas, por vezes pífanos entre outros instrumentos, tudo nos remetendo a um saudável regionalismo e a um mergulho verdadeiro naquele ambiente quase cotidiano. Fez parte da imersão.
Nos olhos enormes mas delicados das personages, estamos ali, magulejo, olhando docemente pra dentro e pra fora.
E quem se esconde atrás das máscaras? Eis nossa gente se revelando pouco a pouco.
Exposição “Magulejo: crônicas ilustradas do nosso povo”
Artista: Wilson Ferreira
Artista: Wilson Ferreira
Período: de terça-feira (19) a 3 de junho.
Onde: Sala Levino Fanzeres, no Bernardino Monteiro, praça Jerônimo Monteiro, Cachoeiro de Itapemirim-ES
Horário: 8h às 18h
Onde: Sala Levino Fanzeres, no Bernardino Monteiro, praça Jerônimo Monteiro, Cachoeiro de Itapemirim-ES
Horário: 8h às 18h
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Acima, "O Boi Biá e a Queda de Eunice". Abaixo, "A Mulher do Padre". (todas as imagens: scanners do Catálogo de Exposição) |