quarta-feira, 20 de abril de 2011

Exposição: MAGULEJO - Crônicas Ilustradas do Nosso Povo


Nossas referências culturais sempre passam pela língua, pelo idioma, dialeto. É na palavra falada que se começam a construir as referências iniciais desse sentimento de pertença que formará um grupo. Subir à Bahia, cruzar o Pará, explorar o Rio Grande do Sul; uma viagem ao Egito, um passeio à França, desbravar a Argentina: seu primeiro impacto será sempre com a palavra.

Mas ter a coragem e a sensibilidade de começar a consagrar um projeto artístico eminentemente visual pelo nome – e por um neologismo – é tarefa para quem quer se transformar em investigador da alma de um povo; e que sabe reconhecer e utilizar a força construtora e reflexiva da arte, expresse-se ela como puder:

Em "MAGULEJO – Crônicas Ilustradas do Nosso Povo", o artista plástico e designer capixaba Wilson Ferreira, natural da pequena e pródiga em talentos  Muqui, começa a cravar suas referências, inspirações, olhares particulares, expressão íntima e ao mesmo tempo coletiva, através da palavra nova que dá nome ao seu projeto. É como convidar o espectador para a bem montada instalação da Sala "Levino Fanzeres", na sede da Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim, e dizer: "-Aceita re-ver-se, a partir desse universo?"

"Magulejo" não está no Aurélio. Nem no Houaiss. Nem no Caldas Aulete. Mas está em mim. E em você. Magulejo é a expressão particular criada pelo próprio artista e que serve de contexto para a busca de um capixaba sem estereótipos; um capixaba transcendente, maior, que está mesmo em processo de busca (porque vive um novo momento e precisa de se com-firmar para além da panela de barro, dos colibris e da Terceira Ponte ao por do sol da capital). A palavra, pura inspiração criativa do artista, remete ao caldo cultural particular no qual o capixaba brotou; e, sonora, tem cores, tem ritmos, tem feições, paladar, tradição.

Partir do verbal abre a estrada para o visual. Por isso a imersão.

E o que o Magulejo capixaba – agora público e, portanto, menos de Wilson e mais nosso – nos revela?

Com a instalação de pinturas sobre madeira, pinturas digitais sobre canvas (corajosamente adaptadas em oratórios negros, que se abrem para saltar as máscaras da Folia de Reis sobre o espectador), serigrafia sobre papel, técnicas mistas com altos relevos feitos em crochês minusiosamente trançados, o criador nos coloca no centro de um baile, de um desfile, nos transformando, ali no centro da exposição, em outras novas interferências a dançar, ou a caminhar pelas ruas; ou a observar escondido as personagens nossas que passam.

Magulejo revira-se em cantigas de roda de tintas coloridas; e também se exalta como povo intimista no bicromatismo do preto e branco; espalhados como em um baile de terreiro a pé descalço, uma procissão mambembe de coloridas máscaras, ou andança à beira-rio vendo o velho mandigueiro e a moça que pesca; a dama do bordel que se exibe em pequenos pedaços - oposta à parede onde o Sagrado se exibe em laranja, azul e amarelo (sem se fazerem todos realmente tão opostos assim).

As tintas vem quase entalhadas, cortes graves com as linhas negras e maleáveis - e não à toa nos remetem à xilogravura (entre nós mais conhecida como a técnica nordestina usada na literatura de cordel). Mas não só aí: na racio e tamanho dos artefatos, na aposição das obras, algo de urbano, grafitagem – arte da rua, e não menos interior-izada.
  
Talvez apenas a sensação de que a instalação careça de um elemento final, ou central, unificador das muitas vertentes. É possível que eu mesmo não o tenha apreendido por se tratar da noite de lançamento, com dezenas (dezenas mesmo) de pessoas compartilhando a atenção entre obras e artista, aquele burburinho sensível – e vital – para o primeiro momento. Talvez seja o próprio título que faça bem esse papel "multimidia": um começo que leva ao final; um final que retorna ao começo. Também por isso garanto meu retorno para uma tarde mais amena de observações. E pode ser que a impressão passe.

Só espero que o recurso de audio que tocava na abertura não saia de lá – com suaves melodias folclóricas, por vezes pífanos entre outros instrumentos, tudo nos remetendo a um saudável regionalismo e a um mergulho verdadeiro naquele ambiente quase cotidiano. Fez parte da imersão.

Nos olhos enormes mas delicados das personages, estamos ali, magulejo, olhando docemente pra dentro e pra fora.

E quem se esconde atrás das máscaras? Eis nossa gente se revelando pouco a pouco.
  
Período: de terça-feira (19) a 3 de junho.
Onde: Sala Levino Fanzeres, no Bernardino Monteiro, praça Jerônimo Monteiro, Cachoeiro de Itapemirim-ES
Horário: 8h às 18h

Acima, "O Boi Biá e a Queda de Eunice".
Abaixo, "A Mulher do Padre".
(todas as imagens: scanners do Catálogo de Exposição)